Arquivar para setembro, 2018

  • Artigo

    Opinião: A bagunça

    - by Clarisse Braga
    A doutora em sistemas costeiros e oceânicos Barbara Gimenez passou seis meses de 2017 fazendo seu doutorado sanduíche em Montpellier e compartilhou com o Cafofo sua experiência e os efeitos, tanto internos quanto externos, dessa aventura

    Alguns dias após o ano começar e refletindo sobre aquele que acabou de passar, a sensação que tenho é a de que 2017 foi um ano “bagunçado”. Pelo menos para a maioria das pessoas que participam ativamente da minha vida. E teve todo o tipo de bagunça, das mais pequenas às mais tumultuosas. Das baguncinhas boas àquelas que tiram nosso chão. Mas, a verdade é uma só: sempre dá para recomeçar e recolocar (ou colocar) tudo no lugar.

    Meu ano passado começou “arrumado”, mas corrido. Visto para tirar, passagens pra comprar, conseguir um lugar para morar, fazer as malas, papéis, burocracia. Uma Barbara sempre perfeccionista, metódica e desesperada deu conta de tudo bem antes do prazo. E de repente era abril… Parece que só atravessei uma sala de embarque e cheguei na França. 12h de vôo que mais pareceram 3h. A ficha tinha caído 0%. Quando as coisas são assim corridas, é normal não ter tempo de digerir direito, a gente “só vai” e vai, vai… Quando se dá conta, viveu uma porrada de coisas.

    Eu vivi em Montpellier por seis meses. E viver num lugar é muito diferente de simplesmente morar. Eu vivi o doutorado sanduiche, vivi a universidade, vivi a cidade, vivi as novas amizades, vivi as viagens, vivi o transporte público, os cheiros, os sabores, as músicas francesas. Lembro que quando pisei na minha moradia pela primeira vez, eu chorei. Pensei “não vou conseguir ser feliz morando nesse lugar, mas tudo bem, são somente seis meses”. No final das contas, embora eu achasse que ali eu só fosse morar, eu também vivi intensamente a minha moradia. Achava o máximo o simples fato de ter um studio numa cidade universitária, como nos filmes…

    A Barbara que foi achava que não podia viver muito tempo longe do aconchego do lar. A Barbara que voltou descobriu o valor imensurável da emancipação emocional. A Barbara que foi achava que seria impossível se virar sozinha com as dificuldades da língua. A Barbara que voltou sabe que dá para comprar um adaptador para internet a cabo mostrando uma foto e fazendo mímica (e que depois ainda vai se divertir muito com essa história). A Barbara que foi achou que não fazia amigos com facilidade. A Barbara que voltou sabe que onde tem gente na mesma situação e vibe que você, não vai ser difícil colecionar uma lista de colegas bacanas e aquelas – mais raras – amizades pra levar pra vida.

    A Barbara perfeccionista, metódica e desesperada do começo do ano, se perdeu toda fazendo as malas de volta, teve que pagar uma pequena fortuna de bagagem extra e deixar coisas para trás no aeroporto.  Culpou-se e se atormentou por isso. Mas essa Barbara terminou 2017 com a plena consciência de que, às vezes, as coisas saem do nosso controle e está tudo bem por isso também. Essa Barbara não precisa mais de tudo no seu exato lugar, sobretudo das coisas pequenas e triviais. Coisas que num piscar de olhos passam… Afinal, a vida é tão mais do que isso! A Barbara que foi tinha princípios, crenças e valores que são exatamente os mesmos que voltaram com ela. E essa Barbara é imensamente grata pela maioria das pessoas na sua vida conseguirem enxergar que, embora ela tenha mudado tanto, sua essência e caráter serão sempre os mesmos…

    A Barbara que foi tinha medo, muito medo. Descobriu que morar fora do país é para os fortes, mas a verdade é que qualquer um pode ser forte se quiser. Ah, essa Barbara só pode te dar um conselho: vá! Crie a sua oportunidade e vá. Leve excesso de coragem e traga excesso de experiência. E muito provavelmente a lista de coisas que você acha que vai aprender ou fazer não seja cumprida, mas o seu olhar de mundo jamais será o mesmo. E aí, você vai perceber o quanto é capaz de crescer e evoluir perante o medo e as dificuldades!

    Um 2018 cheio de descobertas “bagunçadas” pra todos nós.